domingo, 28 de agosto de 2016

Do mundo inteiro




Se nos tirarem as palavras, meu amor,
de que seremos nós feitos
 senão de corpo e cinza e ossos
que morrem na nossa cara debaixo da terra.


Se nos tirarem as palavras, meu amor,
como é que te encontro ao pôr-do-sol?
porque se eu não disser  pôr-do-sol
 tu não saberás onde estou à tua espera.

Se nos tirarem as palavras, meu amor,
como é que te explico o que levo dentro dos olhos,
que vejo em ti a última montanha do mundo e tu não sabes.

Se nos tirarem as palavras, meu amor,
como é que um pé continua a ser um pé,
como é que uma mão, continua a ser mão.



domingo, 21 de agosto de 2016

Do Começo



"Quando acordaram de manhã, na mesma cama, ela disse-lhe que queria ter um passado com ele. Não era um futuro, que era uma coisa incerta, mas um passado, que é isso que têm dois velhos depois de passarem uma vida juntos. Quando disse que queria ter um passado com alguém, queria dizer tudo. Não desejava uma incerteza, mas a História, a verdade. Foi o que ela lhe disse."

Afonso Cruz

domingo, 14 de agosto de 2016

Do que não é


Para J. com todo o meu amor




Tu existias e eu sofria.
Tu respiravas, tu vivias e eu morria.
Tu falavas de mim aos outros e eu sofria.
Tu comias-me e eu sofria. Tu não me comias e eu sofria.
Tu aparecias no meu trabalho com o teu corpo febril  e eu sofria. Tu olhavas-me como quem traz o amor acorrentado aos olhos e eu morria
 - mas morria bem, morria como quem engole a felicidade toda de uma vez e se torna um sapo. 
Eu era um sapo e tu rias.

 Tu existias e eu vivia. Tu rias e eu vivia.

 Mas o tempo das  pedras mudou e todos os gatos cegaram na montanha. O caminho foi refeito.
Os cães ficaram sem dentes, as pessoas sem pernas e a demência não mais se escreve a lápis no quadro da escola: deixou de importar.

A poesia voltou ao mundo.

E a tua boca foi cosida para sempre.
A tua língua nova nunca mais se ouviu.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Oxy





Talvez nunca te consiga agradecer o que fizeste por mim.

 A forma como o teu corpo me esperou no aeroporto e como soubeste receber-me a mim e ao que ainda trazia comigo debaixo da pele.
Ensinaste-me o que uma ilha tem de melhor: que um ilhéu também pode ser o mais lindo lugar do mundo.
Sambamos e rimos bêbedos em cima de um morto: ajudaste-me a calcar ainda mais uma pequena sepultura minha com a leveza que a nobreza de carácter nos confere - e que o nojo exclui.

- não, de facto há coisas que nenhum dinheiro compra

E agora amas e és feliz.
Que esse amor dure pela eternidade,  que nunca o cheiro da podridão e do amor a morrer se aproxime de ti
- o cheiro da morte de um amor começa com discrição mas acaba inequivocamente ácido, entranhado na roupa e fétido.

Os bons deviam viver apenas coisas boas, os maus confinados ao martírio e ao frio.


E sim. Sobram-nos sempre as palavras: e  uma boca, doce,  que nos traz felicidade aos lábios.


domingo, 7 de agosto de 2016

Naquele tempo






Não nos basta os olhos,
não nos basta a dor.

Não nos basta a morte a correr no corredor de casa durante um almoço de família: o corredor que vai até aos quartos de dormir e passa pela cozinha
- pouca gente sabe mas a morte é uma menina de 5 anos com o cabelo comprido e sapatos de verniz vermelhos





não nos basta um cão enforcado no 3º andar,
não basta a cabeça com tanta gente lá dentro e o medo que tenho de  um dia não poder escrever mais, sobretudo  depois do que está por vir
- se um dia não conseguir  escrever vou unir os dedos da mão em cima da tábua de cozinha e cortá-los, juntos, num só lance, com o cutelo da minha mãe


Não nos basta o nosso corpo, no espelho
e nós a vermo-nos
 como se o nosso corpo nu abraçado fosse uma acácia morna feita de dois troncos tranquilos que gostam de vento.


Não nos basta as janelas da casa que falam,
não nos bastam os estores.
Não nos basta a decisão a firmar de que somos duas àrvores que falam aos olhos dos outros
- se um dia deixar de saber escrever vou ser tão triste

Não nos basta os lábios secos do sol e da àgua do mar,
não nos basta a pele morena e o cheiro que a felicidade nos deixa no refego quente do queixo dentro da cara
- nesse dia sentar-me-ei nos jardins de Lisboa e sacudirei toda  a poesia que me possa restar de entre os dedos mudos das mãos.





La Combe

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Dia 7 de outubro - Famalicão

PROGRAMAÇÃO

RAIAS POÉTICAS: AFLUENTES IBERO-AFRO-AMERICANOS DE ARTE E PENSAMENTO
                      7 > 8 OUTUBRO 2016
CENTRO ESTUDOS DO SURREALISMO-FUNDAÇÃO CUPERTINO MIRANDA  E CASA DAS ARTES- VILA NOVA DE FAMALICÃO  PORTUGAL

CURADORIA: Luís Serguilha

Organização: Associação RAIAS-POÉTICAS
Apoio: Câmara Municipal de VILA NOVA de FAMALICÃO

                                                 

                             DIA 7 OUTUBRO

(CENTRO ESTUDOS DO SURREALISMO-FUNDAÇÃO CUPERTINO MIRANDA  )

16h30
Raias Sonoras(POETAS)
C/ Miriam Robles Yáñez; Jorge Velhote; Fernando Castro Branco; Marta Navarro; Catarina Santiago Costa; Isaac Alonso; Inês Leitão

17h30
Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão
Dr. Paulo Cunha

18ho0
Raias SONORAS( POETAS)
C/  Ivo Machado; Claudia Schvartz; Ademir Demarchi; Jaime Rocha; Cláudia R. Sampaio

19h00
DOBRAS-de-PENSAMENTO
EX-CREVER: embaralhar os códigos do pensamento, abalar o mundo sensível: a política do impossível!
C/ Luisa Monteiro( Univ. Nova Lisboa); Jordi Virallonga Eguren( Univ.Barcelona); Ademir Demarchi( Univ. São Paulo); Ana Isabel Soares(Centro de Investigação em Artes e Comunicação)
Surfista:  Maria João Cantinho(Univ. Nova Lisboa)

                          DIA 8 OUTUBRO

(CASA DAS ARTES- VILA NOVA DE FAMALICÃO)

10H00
RAIAS SONORAS( POETAS)
C/ Ana Paula Inácio; Ricardo Gil Soeiro; Concha Garcia; António Moura;  Jordi Virallonga Eguren; Sara Canelhas

11h00
DOBRAS-de-PENSAMENTO
ESCRILEITOR: o mundo nos emite signos e nós somos os seus decifradores: ser multilíngue, em uma só e mesma língua! Sabotar a língua!
C/ Alice Brito( Escritora-Historiadora); Paula Mendes Coelho(Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa); Joan NAVARRO( Univ. Valência); Joana Emídio Marques( poeta, ensaísta, jornalista)
Surfista: Ana Pereirinha( Editora Grupo Planeta)

15h00

DOBRAS-de-PENSAMENTO
A obra deve impor-se como necessária, mas necessária para nada; a sua arquitectura não tem uso; a sua força é inútil (ROBBE-GRILLET).
C/ Jorge Melícias( Poeta-editor-tradutor); Luís Adriano Carlos(Faculdade de Letras da Universidade do Porto); Thiago ARRAIS( Univ.Coimbra)
Surfista: Teresa Carvalho (Univ. Coimbra)

17h00
RAIAS-SONORAS (POETAS)
C/ Paola Dagostino; Rosane Carneiro; Luis Filipe Sarmento; Joan Navarro; Virna Teixeira

18h00
DOBRAS-de-PENSAMENTO
 A literatura só RÉ-começa quando rebenta no excriptor uma terceira pessoa: potência do impessoal, do acósmico!
C/Cristina Carvalho( Escritora); Rosane Carneiro Ramos(King's College London); Ana Godinho ( Univ. Nova Lisboa) Mirian NogueiraTavares(Centro de Investigação em Artes e Comunicação)
Surfista: Luana Carvalho( Compositora-cantora)

                               HAJA RAIAS!

ANDAR-NAS-RAIAS, no intermezzo, no entre-dois: tornar visível o invisível, tornar audível o imperceptível, tornar dizível o indizível, o intraduzível!
Haja cirandas estéticas-éticas-anorgânicas-hápticas!
Haja potências de pensamento e potências do impensado!
Haja diferenças, intensidades, fluxos, experimentações e acontecimentos críticos!
Haja paradoxalidades, contágios, alegria dos encontros, composições afectivas!
Haja tempo puro, conexões-desejantes, dobras aberrantes, heterogeneidades!
Haja línguas analfabetas-agramaticais e antropologicamente abertas!
Haja inconsciências, complexidades, problematizações, transgeografias transcartografias!
Haja sensações, coexistências de loucuras que dizem SIM à vida!
Haja forças singulares, alógicas, aformais: haja corpos indomáveis!
Haja devires, espaços lisos e processos migradores
É urgente perdermo-nos nos lances do acaso!


segunda-feira, 1 de agosto de 2016

2009

E depois há coisas  que deitamos à água: mandamos fora e vemos a sombra da morte no fundo do oceano, a àgua profunda que tudo leva para sempre.
  Pesos mortos, cadáveres decompostos que trazemos às costas e nos deformam a cervical: tempo em que nao sabíamos que tinhamos um nome e um corpo
( quando não sabia que perdia tempo para  sempre)

- de facto, eu nunca vi o tempo levantar-se e passar

Adeus, Ophelia

  Querida Ophelia,  a tua morte foi a coisa mais difícil que vivi até hoje. Ter ficado contigo até ao último minuto dá-me um certo alento es...