domingo, 5 de junho de 2016

Das paredes do quarto



Isto é como um buraco de parede que se escavou a si próprio: e aqui já não mora ninguém.

As paredes ganharam bolor e as madeiras das janelas ganharam bicho, esverdearam pelo peso líquido da humidade.
As velhas cortinas do quarto dizem vento de vidros partidos
repara,  dizem vento de vidros partidos porque deixaram de dizer Amor.

As camas,
a cama do quarto dorme o sono eterno até que lhe ateiem fogo e a sua madeira de pinho antigo se converta no calor que sacia: no calor que todos os corpos que se juntam, um dia, deveriam ter sabido conhecer.

Os candeeiros de pé de veludo envelheceram: a perfeição do veludo morreu vermelha  de rota.

O pó abafou a vida dos móveis que um dia foram admiráveis; os cristais da casa foram silenciados.

A casa não tinha livros e por isso não havia nem páginas, nem capas mortas pelo chão.

Por nada mais restar, por não haver mais vida lá dentro, a Morte cobriu-se, calçou-se e veio.
Selou a casa batendo a porta com toda a sua força e cuspiu no tapete de entrada antes de descer
- a saliva cuja acidez extermina.

E então, aqui, não haverá mais vida.
Então, aqui, não haverá mais chão.





Image: Eric Lacombe

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