segunda-feira, 16 de maio de 2016

Lobotomia



Experimentamos outro tempo onde o nosso corpo respira outro corpo - porque juntámos um pé ao outro e quando reparámos já estávamos com os pés e as unhas no chão, sem medo,
a andarem juntos pelo alcatrão: eles não cantavam mas já era  estrada


(eu a chegar, eu em pé a andar)

Agrafámos os lábios da boca: tive ajuda a agrafar-me
- a força de dois braços em cada agrafo que me selava a pele para ela nunca mais se abrir: o sabor a aço entre a saliva e a língua e o sangue da boca que sai plácido e devagar,
 o aço



para ela nunca mais saber dizer as palavras que o cérebro escreve. Guardámos o agrafador e os agrafos que sobraram no bolso das calças para agrafar a cabeça depois: não podemos deixar a memória à mercê das suas vontades
- nunca mais queremos o passado.

De facto, por lei, nunca mais a nossa cabeça se pode abrir.

1 comentário:

  1. tenho sempre num bolso um agrafador
    e no outro um desagrafador

    mas são bolsos onde cabem as duas mãos
    ou mais

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