quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

THE MAN WHO - Formação




No âmbito do projeto  THE MAN WHO pedimos a participação de 100 homens num inquérito sobre relações.
Os inquéritos devem ser solicitados e posteriormente remetidos para o email: themanwho.formacao@gmail.com.





quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Do Nonsense







Parece que este ano não houve Inverno,
nem chuva,
nem ventou  ou
f
r
i
o
e já só estamos os dois dentro de fotografias que deixaram de existir.


Não há tristeza nenhuma nisto,
só em nós é que ela existia: a única tristeza fomos nós.


Os ossos das mãos cresceram
as costelas da coluna engrossaram,
eu fiquei mais bonita de dedos,
 de corpo, de cara.

Hoje tenho sempre a face rosada.
A tua morte fez-me bem à vesícula.











quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

A carta sobre ontem



Um dia destes escrevo-te uma carta sobre ontem.
A carta sobre ontem será feita sobre a morte de todas as árvores do mundo.

A carta sobre ontem é tão-só

um regresso a casa.

sábado, 29 de outubro de 2016

Para a Eternidade - João Lobo Antunes



"Não sei o que nos espera, mas sei o que me preocupa: é que a medicina, empolgada pela ciência, seduzida pela tecnologia e atordoada pela burocracia, apague a sua face humana e ignore a individualidade única de cada pessoa que sofre, pois embora se inventem cada vez mais modos de tratar, não se descobriu ainda o modo de aliviar o sofrimento sem empatia ou compaixão."

Mueck

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Não há mais nada no meu corpo




Não há mais nada no meu corpo:
nem dor nos olhos
nem o vazio da chávena de leite que engulo sozinha como pedaço de carne inteira por deglutir,
por matar com os dentes quentes, hirtos,  em pé, ao fundo da minha boca.


Não há mais nada no meu corpo:
apenas talvez o peixe  que comi ao jantar entalado na garganta,
e  que mexe de vivo,
- porque vivo engolido

e a mexer-se corta-me a garganta com a luz das escamas:
na verdade, as suas escamas são o mar.


Não há mais nada no meu corpo:
porque o meu corpo morreu esquecido do tempo da janela,
de como tudo era tão bonito lá fora,
quando lá fora era o lugar de onde as pessoas saiam vestidas.


Não há mais nada no meu corpo:
porque a vida chegou antes.

Só por isso, não há mais nada no meu corpo.
Já não há mais nada aqui.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Do que é da vida







Podia falar-te da falta que me fazes de dia quando sais,
podia falar-te do cio, das pernas a tremer  antes de chegares:
podia até falar-te das vezes em que me mordo para degolar a raiva que se senta,
plácida,
no sofá do nosso quarto a olhar para mim antes de tu vires.


Podia falar-te do mal e do bem,
da decoração da casa nova,
das tuas costas,
(eu sei tanto da beleza das tuas costas).


Podia falar-te das nossas pernas trancadas na cama de manhã
com a força férrea de um cadeado de portão:
podia falar-te do meu vestido de hoje
da sua roda
ou dos teus olhos que são negros como o céu.



Podia falar de guerras, de espadas e de outros mundos;
mas seria um erro tão estúpido.
Porque, sabes, só tu és guerra,
porque só tu és mundo.



 .





terça-feira, 18 de outubro de 2016

Para viver um grande amor






Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muita
s, poxa! é de colher... — não tem nenhum valor.

Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.

Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.

Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.

É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...

Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?

Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.

É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.

Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva escura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para viver um grande amor.



Vinícius de Moraes

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Querida filha que não tenho





Querida filha que não tenho,

Texto publicado em Capazes

Se algum dia nasceres, não sei como fui capaz de te ter tido.
Devo ter sido assaltada pela coragem que atinge as mulheres da nossa família quando decidem ser mães: ter-te posto neste mundo será sempre como viver com um revólver apontado à minha própria cabeça.
Vou ter medo do que te possa acontecer sempre que saíres do meu radar de supervisão materna (dizem que isso é ser mãe). 
És uma mulher: a tua condição condena-te à nascença, se eu não te fizer forte, destemida e audaciosa. Vais estar duplamente priorizada na minha vida pelo género que te foi atribuído. 
Mas vou educar-te para a guerra.
A tua geração certamente ainda não verá o que a minha geração sonha: mulheres respeitadas na rua quando passam para ir trabalhar, mulheres com acesso à educação e à saúde, mulheres com salário idêntico ao dos homens quando posicionados nas mesmas tarefas, mulheres que não precisam temer namorados com facas à sua espera.
Sei que enquanto viveres vais conhecer casos de mulheres vítimas de violência doméstica – de caras negras a explicarem que afinal caíram de uma escada enquanto choram medo – crianças em casamentos forçados, mulheres vítimas de tráfico sexual, de violação – talvez os teus ouvidos ainda oiçam juízes e juízas a dizerem de forma insinuosa “vestia-se de forma provocadora” , uma espécie de “estavas mesmo a pedi-las com essa saia e com esse decote”.
Não, minha querida, nenhuma mulher no mundo pediria para ser violada no seu juízo perfeito. 
Vais certamente ainda ouvir falar de casos de mulheres submetidas a tortura psicológica de matriarcas que passam a mandar nelas depois de um casamento que nunca escolheram para si: porque nunca foram ouvidas, porque nunca a sua voz importou. 
A tua geração ainda vai saber o que é MGF: sobre como se faz mutilação genital feminina em bebés e em meninas – sim, põe-lhes um pano na boca se forem já meninas, sim cortam-nas para as controlar sexualmente, sim vão alegar que é tudo em nome de uma cultura ancestral.
Sei que vais saber que cultura e tradição não podem bombardear direitos humanos inalienáveis. 
Há dias liguei a televisão e ouvi um homem dizer que as leis deste país são “como as meninas virgens, foram feitas para ser violadas”.
Fiquei com a chávena na mão enquanto o ouvia e imediatamente pensei em ti.
Leviano e grotesco: “como meninas virgens para serem violadas”. 

Vivemos um tempo estranho.


Se algum dia nasceres, promete-me que olharás bem por ti… e pelas mulheres à tua volta.
Até um dia,


domingo, 2 de outubro de 2016

Para A.




Começas o dia a responder a um mail de uma menina de 7 anos que leu o teu primeiro livro infantil "Pitopeca  em África" e prometeu um mail no fim da leitura.

Ela diz que adorou, que não encontrou erros ortográficos ( sim, ela costuma ler livros com erros) mas tem questões muito próprias de uma menina que olha os adultos nos olhos e pede respostas com dedo em riste como quem quer conhecer tudo o que mexe à sua volta ( e eu gosto tanto de meninas destas).

Tu, autora menor, começas o dia explicando coisas que tu própria consideras estranhas e certas e diferentes e que no fundo são o mundo.

-----------------------


"Minha querida A.,

Fico feliz que tenhas gostado e sobretudo que não tenhas encontrado erros. 😊
Sabes, não podemos ler livros nem ver o mundo à nossa volta sempre com os mesmos olhos.

Às vezes temos de olhar com  olhos diferentes ( temos de arranjar vários tipos de olhos) para ver ou conhecer o que nos é apresentado de forma diferenciada: sejam cores, seja uma nova forma de voar.

Sei que vais pensar nisto❤️❤️❤️

Um grande beijinho e obrigada pelo teu e-mail!!

( e estás quaseeee a fazer anos!!!!!)

Inês

___________________

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Brincávamos a cair nos braços um do outro



brincávamos a cair nos
braços um do outro, como faziam
as actrizes nos filmes com o marlon
brando, e depois suspirávamos e ríamos
sem saber que habituávamos o coração à
dor.
queríamos o amor um pelo outro sem hesitações, como se a desgraça nos servisse bem e, a ver filmes, achávamos que o peito era todo em movimento e não
sabíamos que a vida podia parar um
dia.
eu ainda te disse que me doíam os
braços e que, mesmo sendo o rapaz, o
cansaço chegava e instalava-se no meu
poço de medo.
tu rias e caías uma e outra
vez à espera de acreditares apenas no que
fosse mais imediato, quando os filmes acabavam, quando percebíamos que o mundo era feito de distância e tanto tempo vazio, tu ficavas muito feminina e abandonada e eu sofria mais ainda com isso.
estavas tão diferente de mim como se já tivesses partido e eu fosse apenas um local esquecido sem significado maior no teu caminho.
tu dizias que se morrêssemos juntos
entraríamos juntos no paraíso e querias
culpar-me por ser triste de outro modo, um
modo mais perene, lento, covarde.
Eu amava-te e julgava bem que amar era
afeiçoar o corpo ao perigo.
caía eu nos teus braços, fazias um
bigode no teu rosto como se fosses o
marlon brando.
eu, que te descobria como se descobrem fantasias no inferno, não queria ser beijado pelo marlon brando e entrava numa combustão modesta que, às batidas do meu coração, iluminava o meu rosto como lâmpada falhando.
a minha mãe dizia-me, valter tem cuidado, não brinques assim, vais partir uma perna, vais partir a cabeça, vais partir o coração. e estava certa, foi tudo verdade.

VHM

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

No dia em que tu nasceste







Tens o mundo inteiro no teu peito,
entre os teus pêlos há casas com luz,
gente na rua, rios e cidades inteiras que não se mexem: falam baixo,
existem tão-só sepultadas na mansidão.



Tens o mundo inteiro no teu peito
de carne humana que degela quem quer que seja que nele queiras acolher.



E depois tens os teus olhos. Os teus olhos.
- ainda não falei dos teus olhos


Quieto, o teu olhar sem saber,
faz numa varanda verde de Lisboa,
fruta por milagre crescer.





terça-feira, 20 de setembro de 2016

Carta Aberta a Gregório Duvivier





Caro Gregório Duvivier,

Há coisas que não podemos deixar incólumes. A sua última crónica fez-me ficar três minutos de olhos colados ao iphone enquanto a lia e relia – ao mesmo tempo que apanhava o metro da linha azul em direcção ao Marquês de Pombal (uma maravilhosa estação de metropolitano em Lisboa, onde cem corpos passam por nós a cada dois minutos) e por pouco saí na estação certa. Fiquei a pensar na sua crónica o dia todo, confesso-lhe.
Tinha de lhe escrever porque apostava a minha mão direita em como aquele texto dirigido a Clarice não foi um golpe básico de marketing para o vosso novo filme: aquele texto cheira à honestidade que o Amor traz, de uma ponta à outra, e deixa qualquer coração humano a precisar de ser desfibrilhado em tempo recorde.
Ri-me muito consigo. Com a “Porta dos Fundos” e com o “Vai que cola” (filme incluído). Quando li o “Desculpe o incómodopreciso falar de Clarice” considerei-o um homem emocionalmente capaz (há tantos deficientes emocionais por aí) e, sobretudo, considerei-o um homem profundamente bonito. Bonito a sério.
Os haters espalharam rapidamente as suas explanações habituais pelas redes sociais contra o texto. Entenda isso como aquilo a que em Portugal chamamos de “ressabianço de uma cambada de mal-amados”: porque o Amor de verdade é um enorme privilégio que não é concedido a todos os terrestres – só a alguns de nós.
Não sei o que temos de fazer para obter este desígnio ou como é que somos seleccionados para o poder sentir, mas sei que quando usamos o mesmo pijama dessa pessoa  para dormir, quando deixamos mensagens escritas com baton no espelho da casa de banho, quando escrevemos cartas de amor diárias, quando comemos do mesmo prato enquanto vemos a nova temporada do “House of Cards” de rajada, quando lhe lambemos a bochecha no meio da rua ou montamos a árvore de Natal juntos a ouvir músicas melosas: Amamos. E saber amar alguém será sempre um privilégio.
Fico com pena que não tenha resultado entre vocês: que a esta hora não estejam juntos com quatro filhos, no mínimo.
O verso que Vinícius escreveu sobre o Amor “que seja eterno enquanto dure” deveria ser emendado para “que seja eterno e dure para sempre”.
Não tive a mesma sorte que o Gregório teve: o meu amor morreu no mar da Costa Rica enquanto fazia mergulho. Não sobrou nada porque a água levou tudo.
Não chorei abraçada a ele, chorei sozinha.
Mas não faz mal. Porque aqui também já não falta nada.
Um abraço,
Inês Leitão




segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Das coisas da terra





Sabemos que somos morte, cal e dor, como sabemos que a profundidade do nosso corpo não é a profundidade estática da nossa existência quieta, plácida, involuntária
- eu nunca pedi que um dia tu viesses e te sentasses com o teu corpo para me ouvires falar por dentro,
 lá dentro onde tudo o que é vida acontece 



tão involuntária
- mas tu vieste e disseste: mundo



 E eu ouvi-te.
Não era só eu quem falava: quieta,
plácida,
 involuntária
- tu lembras-me os búzios que as senhoras da Ericeira vendiam perto da marisqueira onde almoçávamos: elas a jurarem que era só preciso eu encostar a cabeça e ouvir



Quieta, plácida
- eu a encostar o ouvido  para ouvir o mar guardado lá dentro:
eu a acreditar




Involuntária
-  de como somos tão parecidos nas nossas corcundas ou no nosso corpo esbelto e direito que trazemos à laia de lembrança de vida




 Quieta, plácida, invo-lun-tá-ria
- há tanto tempo que sou sozinha que acho que não sei mais ser de outra forma




Que sabe antever os passos da morte e da vida: porque um dia houve em que vida foi concebida e maltratada,
um dia houve em que a esperança se calou sentada num banco de madeira que girava num lugar onde a luz nos dava na cara
- não faz mal que fiques: não faz mal que vás




Porque todo o sabor fica na boca. Não se apaga.
 Fica na boca e na cabeça. Nas duas,  às vezes juntas.
Nas duas, às vezes, como se fossem só uma.






.

domingo, 28 de agosto de 2016

Do mundo inteiro




Se nos tirarem as palavras, meu amor,
de que seremos nós feitos
 senão de corpo e cinza e ossos
que morrem na nossa cara debaixo da terra.


Se nos tirarem as palavras, meu amor,
como é que te encontro ao pôr-do-sol?
porque se eu não disser  pôr-do-sol
 tu não saberás onde estou à tua espera.

Se nos tirarem as palavras, meu amor,
como é que te explico o que levo dentro dos olhos,
que vejo em ti a última montanha do mundo e tu não sabes.

Se nos tirarem as palavras, meu amor,
como é que um pé continua a ser um pé,
como é que uma mão, continua a ser mão.



domingo, 21 de agosto de 2016

Do Começo



"Quando acordaram de manhã, na mesma cama, ela disse-lhe que queria ter um passado com ele. Não era um futuro, que era uma coisa incerta, mas um passado, que é isso que têm dois velhos depois de passarem uma vida juntos. Quando disse que queria ter um passado com alguém, queria dizer tudo. Não desejava uma incerteza, mas a História, a verdade. Foi o que ela lhe disse."

Afonso Cruz

domingo, 14 de agosto de 2016

Do que não é


Para J. com todo o meu amor




Tu existias e eu sofria.
Tu respiravas, tu vivias e eu morria.
Tu falavas de mim aos outros e eu sofria.
Tu comias-me e eu sofria. Tu não me comias e eu sofria.
Tu aparecias no meu trabalho com o teu corpo febril  e eu sofria. Tu olhavas-me como quem traz o amor acorrentado aos olhos e eu morria
 - mas morria bem, morria como quem engole a felicidade toda de uma vez e se torna um sapo. 
Eu era um sapo e tu rias.

 Tu existias e eu vivia. Tu rias e eu vivia.

 Mas o tempo das  pedras mudou e todos os gatos cegaram na montanha. O caminho foi refeito.
Os cães ficaram sem dentes, as pessoas sem pernas e a demência não mais se escreve a lápis no quadro da escola: deixou de importar.

A poesia voltou ao mundo.

E a tua boca foi cosida para sempre.
A tua língua nova nunca mais se ouviu.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Oxy





Talvez nunca te consiga agradecer o que fizeste por mim.

 A forma como o teu corpo me esperou no aeroporto e como soubeste receber-me a mim e ao que ainda trazia comigo debaixo da pele.
Ensinaste-me o que uma ilha tem de melhor: que um ilhéu também pode ser o mais lindo lugar do mundo.
Sambamos e rimos bêbedos em cima de um morto: ajudaste-me a calcar ainda mais uma pequena sepultura minha com a leveza que a nobreza de carácter nos confere - e que o nojo exclui.

- não, de facto há coisas que nenhum dinheiro compra

E agora amas e és feliz.
Que esse amor dure pela eternidade,  que nunca o cheiro da podridão e do amor a morrer se aproxime de ti
- o cheiro da morte de um amor começa com discrição mas acaba inequivocamente ácido, entranhado na roupa e fétido.

Os bons deviam viver apenas coisas boas, os maus confinados ao martírio e ao frio.


E sim. Sobram-nos sempre as palavras: e  uma boca, doce,  que nos traz felicidade aos lábios.


domingo, 7 de agosto de 2016

Naquele tempo






Não nos basta os olhos,
não nos basta a dor.

Não nos basta a morte a correr no corredor de casa durante um almoço de família: o corredor que vai até aos quartos de dormir e passa pela cozinha
- pouca gente sabe mas a morte é uma menina de 5 anos com o cabelo comprido e sapatos de verniz vermelhos





não nos basta um cão enforcado no 3º andar,
não basta a cabeça com tanta gente lá dentro e o medo que tenho de  um dia não poder escrever mais, sobretudo  depois do que está por vir
- se um dia não conseguir  escrever vou unir os dedos da mão em cima da tábua de cozinha e cortá-los, juntos, num só lance, com o cutelo da minha mãe


Não nos basta o nosso corpo, no espelho
e nós a vermo-nos
 como se o nosso corpo nu abraçado fosse uma acácia morna feita de dois troncos tranquilos que gostam de vento.


Não nos basta as janelas da casa que falam,
não nos bastam os estores.
Não nos basta a decisão a firmar de que somos duas àrvores que falam aos olhos dos outros
- se um dia deixar de saber escrever vou ser tão triste

Não nos basta os lábios secos do sol e da àgua do mar,
não nos basta a pele morena e o cheiro que a felicidade nos deixa no refego quente do queixo dentro da cara
- nesse dia sentar-me-ei nos jardins de Lisboa e sacudirei toda  a poesia que me possa restar de entre os dedos mudos das mãos.





La Combe

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Dia 7 de outubro - Famalicão

PROGRAMAÇÃO

RAIAS POÉTICAS: AFLUENTES IBERO-AFRO-AMERICANOS DE ARTE E PENSAMENTO
                      7 > 8 OUTUBRO 2016
CENTRO ESTUDOS DO SURREALISMO-FUNDAÇÃO CUPERTINO MIRANDA  E CASA DAS ARTES- VILA NOVA DE FAMALICÃO  PORTUGAL

CURADORIA: Luís Serguilha

Organização: Associação RAIAS-POÉTICAS
Apoio: Câmara Municipal de VILA NOVA de FAMALICÃO

                                                 

                             DIA 7 OUTUBRO

(CENTRO ESTUDOS DO SURREALISMO-FUNDAÇÃO CUPERTINO MIRANDA  )

16h30
Raias Sonoras(POETAS)
C/ Miriam Robles Yáñez; Jorge Velhote; Fernando Castro Branco; Marta Navarro; Catarina Santiago Costa; Isaac Alonso; Inês Leitão

17h30
Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão
Dr. Paulo Cunha

18ho0
Raias SONORAS( POETAS)
C/  Ivo Machado; Claudia Schvartz; Ademir Demarchi; Jaime Rocha; Cláudia R. Sampaio

19h00
DOBRAS-de-PENSAMENTO
EX-CREVER: embaralhar os códigos do pensamento, abalar o mundo sensível: a política do impossível!
C/ Luisa Monteiro( Univ. Nova Lisboa); Jordi Virallonga Eguren( Univ.Barcelona); Ademir Demarchi( Univ. São Paulo); Ana Isabel Soares(Centro de Investigação em Artes e Comunicação)
Surfista:  Maria João Cantinho(Univ. Nova Lisboa)

                          DIA 8 OUTUBRO

(CASA DAS ARTES- VILA NOVA DE FAMALICÃO)

10H00
RAIAS SONORAS( POETAS)
C/ Ana Paula Inácio; Ricardo Gil Soeiro; Concha Garcia; António Moura;  Jordi Virallonga Eguren; Sara Canelhas

11h00
DOBRAS-de-PENSAMENTO
ESCRILEITOR: o mundo nos emite signos e nós somos os seus decifradores: ser multilíngue, em uma só e mesma língua! Sabotar a língua!
C/ Alice Brito( Escritora-Historiadora); Paula Mendes Coelho(Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa); Joan NAVARRO( Univ. Valência); Joana Emídio Marques( poeta, ensaísta, jornalista)
Surfista: Ana Pereirinha( Editora Grupo Planeta)

15h00

DOBRAS-de-PENSAMENTO
A obra deve impor-se como necessária, mas necessária para nada; a sua arquitectura não tem uso; a sua força é inútil (ROBBE-GRILLET).
C/ Jorge Melícias( Poeta-editor-tradutor); Luís Adriano Carlos(Faculdade de Letras da Universidade do Porto); Thiago ARRAIS( Univ.Coimbra)
Surfista: Teresa Carvalho (Univ. Coimbra)

17h00
RAIAS-SONORAS (POETAS)
C/ Paola Dagostino; Rosane Carneiro; Luis Filipe Sarmento; Joan Navarro; Virna Teixeira

18h00
DOBRAS-de-PENSAMENTO
 A literatura só RÉ-começa quando rebenta no excriptor uma terceira pessoa: potência do impessoal, do acósmico!
C/Cristina Carvalho( Escritora); Rosane Carneiro Ramos(King's College London); Ana Godinho ( Univ. Nova Lisboa) Mirian NogueiraTavares(Centro de Investigação em Artes e Comunicação)
Surfista: Luana Carvalho( Compositora-cantora)

                               HAJA RAIAS!

ANDAR-NAS-RAIAS, no intermezzo, no entre-dois: tornar visível o invisível, tornar audível o imperceptível, tornar dizível o indizível, o intraduzível!
Haja cirandas estéticas-éticas-anorgânicas-hápticas!
Haja potências de pensamento e potências do impensado!
Haja diferenças, intensidades, fluxos, experimentações e acontecimentos críticos!
Haja paradoxalidades, contágios, alegria dos encontros, composições afectivas!
Haja tempo puro, conexões-desejantes, dobras aberrantes, heterogeneidades!
Haja línguas analfabetas-agramaticais e antropologicamente abertas!
Haja inconsciências, complexidades, problematizações, transgeografias transcartografias!
Haja sensações, coexistências de loucuras que dizem SIM à vida!
Haja forças singulares, alógicas, aformais: haja corpos indomáveis!
Haja devires, espaços lisos e processos migradores
É urgente perdermo-nos nos lances do acaso!


segunda-feira, 1 de agosto de 2016

2009

E depois há coisas  que deitamos à água: mandamos fora e vemos a sombra da morte no fundo do oceano, a àgua profunda que tudo leva para sempre.
  Pesos mortos, cadáveres decompostos que trazemos às costas e nos deformam a cervical: tempo em que nao sabíamos que tinhamos um nome e um corpo
( quando não sabia que perdia tempo para  sempre)

- de facto, eu nunca vi o tempo levantar-se e passar

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Dia 18 de julho! Somos Capazes?








 Contamos com Todos!

Des-terra







A descer as escadas voava em lances de quatro até ao fim do patamar sem medo.
A casa da mãe de onde víamos o castelo dos Mouros.


Hoje está lá em baixo a ambulância sem luzes com gente dentro outra vez, gente pequena a mexer-se com a ginástica das larvas para um espaço tão
- sabes, é que eu nunca

Mas desta vez não és tu na marquesa.

Eu a descer os lances aos quatro porque é a mãe que vai lá dentro: e não tu. É a mãe.
O meu corpo a querer voar e a gravidade a permitir a queda, eu a contornar a queda com os ossos dentro do corpo e com a minha pele toda em cima de mim
- a voar aos quatro e a contar

1
2
3
4
 como quando vinha com os cães à rua com o barulho à nossa volta


E tu a vê-la como eu a estou a ver, agora que cheguei cá abaixo.


A mãe. A mãe deitada na marquesa da ambulância enquanto a reanimavam à minha frente e tu. A mãe. 
A mãe deitada e eles com as máquinas a mexerem-lhe no peito. A mãe sempre disse que não queria que lhe tocassem se algum dia isto acontecesse. 

A porta de casa aberta e o meu corpo a voar sobre os degraus de pedra do prédio quente: as pedras a ferverem debaixo dos pés como se a terra tivesse aquecido comida para comer.
A mãe. A mãe tão deitada.

Eles em cima dela: eles com fios e instrumentos para a trazer à vida e tu ao meu lado começas a rezar
- Salvé  Rainha, Mãe de Misericórdia, Vida, doçura e esperança nossa, Salvé.




Tu só rezas.
Tu a começares com um terço na mão e um lenço preto na cabeça sem olhares para mim porque nas tuas mãos
- Salvé  Rainha, Mãe de Misericórdia , Vida, doçura e esperança nossa, Salvé.
A Vós bradamos, os degredados filhos de Eva, a Vós suspiramos, gemendo e chorando  neste Vale de Lágrimas


Tu, avó, a veres o mesmo que eu:
o médico, o assistente, mais alguém a quem não consigo ver a cara a mexerem na mãe para lhe darem vida: como tu na tua barriga, um dia
- Eia, pois, advogada nossa, esses Vossos olhos misericordiosos  a nós volvei: e depois do desterro, depois do desterro




Tu sem falares comigo à porta da ambulância - lado a lado - e eu a sentir uma boca minha a gritar:  porque eu tinha mais bocas ao mesmo tempo na cara, não era só esta
-depois do desterro

Tu a repetires o desterro.

Depois do 

D
E
S
T
E
R
R
O

Talvez só fizesses isso porque te vias a vê-la ir como eu: mas os nossos desesperos são diferentes
-
depois do desterro mostrai-nos Jesus




Tu e eu a vermos a mesma coisa:
ou tu não, tu só a virares os olhos para as contas do teu terço, enquanto eu
-
Mostrai-nos Jesus,
Bendito fruto do Vosso Ventre :Ó Clemente, Ó Piedosa, Ó Doce Sempre Virgem Maria. 


E eu também a querer dizer como tu
- Ó Clemente, Ó Piedosa, Ó Doce Sempre Virgem Maria. 



Mas as minhas bocas não me deixavam falar
- Rogai por nós Santa Mãe de Deus,
Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.

domingo, 26 de junho de 2016

Obrigada - "A Mãe"




Um muito obrigada a todos os que foram ver "A Mãe". A todos os que foram ver a peça, aos que quiseram e não puderam, mas sobretudo à equipa extraordinária que deu vida à Clara e que a propôs ao espectador. À equipa extraordinária - repito -, que chorou durante os ensaios pela violência do enredo, que desesperou, que transpirou e que construiu tudo aquilo.
Eu cá só escrevi um texto.

Ontem chegámos ao fim de um caminho de longos meses.


Obrigada. Obrigada. Obrigada.


quinta-feira, 23 de junho de 2016

No dia em que tu morreste



No dia em que tu morreste
o chão abriu-se
e todos os mortos sairam do caixão para procurarem os seus vivos. 


No dia em que tu morreste
 não houve sol
nem chuva,
nem vento porque a terra ficou muda na sua dor. 

No dia em que tu morreste,
nenhum peixe sobreviveu à agua que se tornou veneno nas guelras,
nenhum pássaro sobreviveu  à queda da carne das suas asas
cujas penugens com sangue caiam do céu. 


No dia em que tu morreste
 ninguém cantou, ninguém riu. 

No dia em que tu morreste
 nenhuma mulher foi tocada por nenhum homem na cama,
nenhuma criança foi concebida.



No dia em que tu morreste
era quarta-feira em Lisboa
e o tempo ficou quente no corpo dos homens. 


No dia em que tu morreste
caíram os dedos de todas as crianças 
que brincavam no escorrega no parque
e todas elas choraram os seus dedos no chão . 

No dia em que tu morreste
ninguém voltou para casa porque ninguém sabia aonde ficava  a sua casa


(antes de morreres também eras a minha casa e eu costumava saber onde  ficavas) 


No dia em que tu morreste
o chão abriu-se de verdade:
uma fenda rasgou o norte e o sul
e eu sentei-me para não cair. 


No dia em que tu morreste era Agosto
 mas tudo sabia a inverno e a frio.

No dia em que tu morreste
caíram-me os olhos da cara,
e depois caíram-me as mãos,
 depois os pés. 


No dia em que tu morreste
os lábios dos homens colaram-se
e nunca mais o mundo teve som.


 No dia em que tu morreste
 ninguém fez anos.

 No dia em que tu morreste
 era quarta-feira em Lisboa e
todos os prédios da cidade ruíram juntos.


No dia em que tu morreste, o mundo mudou para sempre.






segunda-feira, 20 de junho de 2016

Ilíacos





Contavas-me os ossos do corpo como quem conta uma história: eu deitada ao teu lado a ouvir-te pelos olhos com a atenção de um aprendiz mudo
- aqui a clavícula, aqui o esterno, aqui as tuas costelas
 (e os teus dedos a entrarem pela minha pele, explicativos, analíticos, cirúrgicos)


E nas pernas agarravas-me para me explicar
- aqui o teu fémur, a tíbia, este é o

e os teus dedos a marcarem o território do corpo até os nossos  ossos terem de se levantar para sair dali.

Viemos.
Mas aqui a clavícula, o esterno, as costelas, a rotula, o fémur, a tíbia: até os teus olhos me dizerem com a ajuda dos ossos da tua boca
-eu não sei se sobreviveria sem ela,  eu não sei se sobreviveria sem ela, eu não sei se sobreviveria sem ela, eu não sei se sobreviveria sem ela, eu não sei se sobreviveria sem ela, eu não sei se sobreviveria sem ela, eu não sei se sobreviveria sem ela, eu não sei se sobreviveria sem ela, eu não sei se sobreviveria sem ela, eu não sei se sobreviveria sem ela, eu não sei se sobreviveria sem ela, eu não sei se sobreviveria sem ela, eu não sei se sobreviveria sem ela, eu não sei se sobreviveria sem ela, eu não sei se sobreviveria sem ela, eu não sei se sobreviveria sem ela, eu não sei se sobreviveria sem ela, eu não sei se sobreviveria sem ela, eu não sei se sobreviveria sem ela, eu não sei se sobreviveria sem ela.


E eu a aprender que nada serias sem ela porque ela é o único osso que sobra depois de ti.





photo: Mueck

quinta-feira, 16 de junho de 2016

A MAE



Agradecer uma noite maravilhosa, a artistas que acreditaram desde o inicio e que fizeram tudo ontem acontecer.
A nossa "A Mae" foi um sucesso!!!!

reservas para boutiquedecultura@gmail.com


Obrigada!



quarta-feira, 15 de junho de 2016

O teu corpo tem um nome





Hoje roubei-te as costas quando estávamos a dormir e tu não viste. Não as devolverei.
Trago-as comigo para não as dares a mais ninguém porque me pertencem. Não dou o que é meu. Como o teu corpo também me pertence. E também me pertencem os teus olhos e as tuas duas pernas magoadas: também é meu o teu peito quando voa, quando atropela ou quando é atropelado
- acredito que está escrito algures que todo o teu corpo é meu

E as tuas mãos também são minhas: são meus os teus dedos, as tuas unhas, a tua pele seca ao toque.
É meu todo o teu corpo - que desossado - tem o mundo inteiro lá dentro.



"A Mãe" - estreia hoje

Quarta-Feira dia 15 de Junho, que estreia a peça de teatro A MÃE no Espaço Bento Martins da Boutique da Cultura.
Um texto de Inês Leitão com encenação de João Borges de Oliveira.
Em palco com 4 atrizes: Ana Mafalda Costa, Glória Rosa, Marta Mateus eSónia Maria Bispo Correia.
Em cena nos dias: 15,16, 18, 22, 23, 24 e 25 de Junho, sempre às 21h30.
Façam as vossas reservas pelo e-mail: boutiquedacultura@gmail.com

credits: Bruno Saavedra


"A Mãe" - estreia hoje!


domingo, 5 de junho de 2016

Das paredes do quarto



Isto é como um buraco de parede que se escavou a si próprio: e aqui já não mora ninguém.

As paredes ganharam bolor e as madeiras das janelas ganharam bicho, esverdearam pelo peso líquido da humidade.
As velhas cortinas do quarto dizem vento de vidros partidos
repara,  dizem vento de vidros partidos porque deixaram de dizer Amor.

As camas,
a cama do quarto dorme o sono eterno até que lhe ateiem fogo e a sua madeira de pinho antigo se converta no calor que sacia: no calor que todos os corpos que se juntam, um dia, deveriam ter sabido conhecer.

Os candeeiros de pé de veludo envelheceram: a perfeição do veludo morreu vermelha  de rota.

O pó abafou a vida dos móveis que um dia foram admiráveis; os cristais da casa foram silenciados.

A casa não tinha livros e por isso não havia nem páginas, nem capas mortas pelo chão.

Por nada mais restar, por não haver mais vida lá dentro, a Morte cobriu-se, calçou-se e veio.
Selou a casa batendo a porta com toda a sua força e cuspiu no tapete de entrada antes de descer
- a saliva cuja acidez extermina.

E então, aqui, não haverá mais vida.
Então, aqui, não haverá mais chão.





Image: Eric Lacombe

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Livro - "O Padre das Prisões"





«A autora, Inês Leitão, sem perder o fio de homenagem e reconhecimento que por todos nós é devido ao Padre das prisões, leva-nos bem mais longe, trazendo-nos suporte teórico, cultural, religioso, enfim, humano, para podermos acompanhar uma leitura sempre cativante e chegarmos ao conhecimento fundamental para exercermos responsavelmente o direito democrático de opinião sobre um tema acerca do qual, em geral, afirmamos tanto e sabemos tão pouco», assinala o antigo Ministro da Justiça, prof. Laborinho Lúcio.


quinta-feira, 2 de junho de 2016

Da vida de depois








Talvez os teus dedos novos
Talvez a boca
Talvez o mundo e as pedras e os troncos;
talvez o sangue, o cabelo loiro e a estrada.



Talvez o meu corpo magro
talvez o espelho,
talvez tu a saberes quem eu sou quando as palavras não se dizem
(às vezes as palavras não se dizem porque não há lugar para elas fora da boca)



Talvez um agora e para sempre.
Talvez a janela, o alpendre, a varanda ou a casa toda
(tu a seres a casa toda)

Talvez nunca mais andar na corda em altura 
talvez nunca mais sentir medo de cair.
Talvez um conto. Talvez um enorme ponto.




image: Eric Lacombe

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Do que sempre fomos




Ainda temos os mesmos pés no fundo da cama quando nos vimos da cabeceira,
ainda temos os mesmo dedos. Ainda temos alma e divindade
e ainda temos os mesmo dentes da boca que dizem
amor.

Ainda temos a mesma gargalhada
os mesmos dedos das mãos imperfeitas:
ainda sabemos viver a achar que somos eternos na nossa caverna.

Ainda temos  luz
e  verbo
e felicidade debaixo da cama.

Ainda somos os mesmos.

Adeus, Ophelia

  Querida Ophelia,  a tua morte foi a coisa mais difícil que vivi até hoje. Ter ficado contigo até ao último minuto dá-me um certo alento es...