quinta-feira, 5 de setembro de 2013
Catavento, irmão do vento
Se me tivesses morrido tu a mim há pouco tempo
(ou depois do tempo muito)
não haveria dia depois do outro,
não haveria sol,
nem chuva
nem nuvens a passar puxadas a vento
porque deixaria de haver céu e olhos que o vissem
[olhos arrancados pelos dedos doentes]
e deixaria de haver dia
horas,
noite,
tempo,
segundos,
para sobrar uma existência inteira de pregos pregados aos ossos das costas
e lábios colados um ao outro pela secura da pele,
pela ausência de palavra
[deixaria de haver motivo para falar]
Se me tivesses morrido tu a mim há pouco tempo
(ou depois do tempo muito)
os meus pés negar-se-iam ao movimento
[um não seguiria o outro]
e eu arrastar-me-ia pela rua a dizer adeus aos vivos: aos restantes.
(por que é que sempre ficam os que sobram?)
Se me tivesses morrido tu a mim há pouco tempo
(ou depois do tempo muito)
não sobraria membro ou recorte:
apenas cinza, dor e morte.
(Eric Lacombe)
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